O 'caso Susy'
desumanização e deslegitimação de uma mulher trans encarcerada
Keywords:
Direitos Humanos, Mídia, Redes sociais digitais, Homotransfobia, Teoria queerAbstract
No dia 1º de março de 2020, a matéria jornalística "Mulheres trans presas enfrentam preconceito, abandono e violência" foi exibida no programa televisivo Fantástico, da Rede Globo. Apresentada pelo médico oncologista Drauzio Varella, a reportagem tinha como enfoque retratar o cotidiano de detentas transexuais nas prisões brasileiras. Após o depoimento comovente de uma das entrevistadas chamada Suzy de Oliveira Santos, Varella a abraça, consolando-a. Interpretado a princípio como expressão de acolhimento e humanidade, o gesto do profissional foi logo em seguida agressivamente criticado pela opinião pública após ter sido divulgada a ficha criminal da custodiada, que envolvia estupro e assassinato de um garoto de 9 anos de idade. Diante da controvérsia gerada, este artigo propõe investigar e problematizar discursos, argumentos, opiniões, visões de mundo, etc. que começaram a circular socialmente, sobretudo nas redes sociais digitais, desde que a matéria do Fantástico foi ao ar e que buscaram deslegitimar e desumanizar o corpo e a vivência de uma mulher transexual encarcerada, que havia recebido atenção e tratamento empático pela mídia. Para a presente discussão, são trazidos os aportes teóricos e conceituais dos estudos queer, entre eles, Sedgwick (1990), Butler (2003; 2018), Louro (2004), Preciado (2011), Miskolci (2016) e Bento (2016). Os resultados apontam para a premente necessidade de se pautar questões como o papel da mídia e das redes sociais digitais na construção e disseminação de narrativas, representações e juízos de valor compatíveis com a dignidade humana, particularmente no que tange ao corpo e à vivência de pessoas trans.
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