Este artigo tem por objetivo discutir a construção de personagens não-hegemônicas na obra Nossos ossos, de Marcelino Freire (2013). À luz de Butler (2000) e Bauman (1998), a presente análise apresenta de que modo o narrador-personagem, Heleno de Gusmão, enquanto póstumo, utiliza construções sociais estereotipadas a respeito da personagem travesti, Estrela, e dos michês com os quais ele se relaciona na trama, dando a ver discursos que objetificam esses sujeitos. Discute-se de que forma o narrador se constrói em função de uma hegemonia social – branco, rico e cisgênero – para atrair o leitor em função de seu ponto de vista sobre os outros. Ainda a respeito de Estrela, observa-se que Heleno deslegitima a existência de Estrela e sua possibilidade de construir seu corpo e produzir-se feminina, além de tratá-la como perigosa e mercenária. Sobre os “michês”, nomenclatura escolhida pela voz narrativa, Heleno separa o que possui seu afeto, chamando-o de boy, dos demais que são estereotipados: o índio, como vetor de doença sexualmente transmissível (HIV); o malandro, como usurpador de seu dinheiro; e o negro como paradoxo de seu poder econômico atrelado a sua branquitude. Conclui-se que o narrador se aproxima dos ideais hegemônicos da cultura ocidental judaico-cristã, branca e abastada como forma de valorizar a sua vida e seu esforço em erguer-se frente às dificuldades impostas aos sujeitos homoeróticos, gerando seu desprezo em relação aos “estranhos”.