Dossiê Temático
v. 5 n. 10 (2021): OS SABERES AUSENTES DA CIDADE LETRADA NO SÉCULO XXI
NARRATIVAS DE FRONTEIRAS NAS ESCRITAS DE JORGE POZZOBON E RUY DUARTE DE CARVALHO
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
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Enviado
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abril 15, 2021
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Publicado
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2021-08-02
Resumo
As escritas do brasileiro Jorge Pozzobon em Vocês, brancos, não têm alma (2013) e do angolano naturalizado Ruy Duarte de Carvalho no conto “As águas do Capembáua” (2008) possuem muitas confluências. Sendo ambos antropólogos, em sua textualidade narrativa articulam experiências de estar em campo com exercícios de alteridade: o primeiro esteve junto dos Maku, etnia nativa amazônica na tríplice fronteira Brasil/Colômbia/Venezuela, durante e após suas pesquisas de pós-graduação; o segundo passou anos de sua vida na companhia dos pastores Kuvale ao sul de Angola. Para além de investigar “os outros”, a descrição científica neles cede espaço para gêneros e formatos compósitos e para a auto-etnografia (PRATT, 2005). No caso do brasileiro, conto, crônica e roteiro de cinema fazem deslizar os limites do que é etnográfico, na tentativa de dar conta da relação com o ancião Nyaam Hi, uma travessia por limites e fronteiras a partir do encontro (LAPLANTINE, 2003). Já o angolano emprega na sua “meia ficção” (CARVALHO, 2005) recursos como a multiplicidade de vozes e a metalinguagem, colocando em perspectiva temporalidades e cosmovisões tradicionais, que o colonialismo buscou apagar. As passagens entre mundos simultaneamente contestam os valores dualistas da modernidade e afirmam a ontologia relacional (ESCOBAR, 2014) ao dispor complexas formas de intersubjetividades que compartilham territórios e a pluriversidade. Essa modalidade de mundos ou ontologias de entidades biofísicas, humanas e sobre-humanas com vínculos de continuidade e comunidade entre si opõe-se à separação entre natureza e cultura sustentada pelos valores ocidentais de indivíduo, racionalidade, propriedade privada e mercado.
Referências
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